Inmet prevê volumes maiores que 90 mm para esta semana!
A última semana do verão e os primeiros dias de outono podem apresentar grandes acumulados de chuva, com volume acima de 100 milímetros por dia, especialmente no centro-norte do país, devido à combinação do calor e alta umidade. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), na semana entre os dias 18 e 25 de março a atuação da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) continuará influenciando as instabilidades no extremo norte do Brasil, provocando chuvas intensas.
Com as chuvas, retornam alguns medos e apreensões da população, por isto, ouvimos o arquiteto e urbanistas e ex-presidente do Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas do Rio de Janeiro, Rodrigo Bertamé, que deu uma contribuição geral sobre o cenário atual, e o que pode ser feito para amenizar os riscos das chuvas no Rio e Grande Rio, exclusivamente para Povo.
Por Rodrigo Bertamé
O povo não tem um dia de descanso, após o calor abrasador, vem a tempestade. O cotidiano dos residentes das áreas mais desfavorecidas do Rio de Janeiro é permeado pela ansiedade. Em meio à crise climática, enfrentamos a constante ameaça de condições meteorológicas extremas: seja o sol escaldante ou as chuvas torrenciais. E é nessas horas que um dos maiores desafios para os moradores do Rio e Baixada se revela: as enchentes.
No calor, sofremos com a falta d’água; nas tempestades, com as inundações. As águas de março, cantadas por Tom Jobim, caem bem diferente sobre os bairros da Zona Sul em comparação as Zonas Oeste, Norte e Baixada Fluminense.
Primeiramente, vale destacar a questão do abastecimento de água potável. Os rios que atravessavam a cidade foram negligenciados, tornando-se canais de esgoto industrial, comercial e doméstico. O Rio de Janeiro depende inteiramente das águas do Rio Guandu, localizado nas proximidades de Santa Cruz e Itaguaí. Curiosamente, conseguimos direcionar água diariamente para os bairros da Zona Sul que são mais afastados, enquanto muitos moradores próximos ao Rio Guandu enfrentam falta d’água.
Entretanto, o desafio das enchentes é ainda mais preocupante. Só quem já perdeu móveis, documentos e até mesmo a saúde durante as inundações compreendem a gravidade do problema. Como é possível se organizar quando se vive sob a constante ameaça de perder tudo a cada temporada de chuvas? E pior ainda, enfrentar acusações injustas de serem os únicos culpados por depositar lixo nas vias públicas durante esses eventos desastrosos.
A verdadeira solução está em duas frentes: a vontade política e a aplicação de conhecimentos em engenharia e arquitetura. No mundo vemos países onde a engenharia tem soluções para evitar desastres com terremotos, maremotos, enchentes, basta aplicar a boa engenharia no Brasil. O problema não é falta de arquitetura e engenharia, é a aplicação destas de maneira desigual, sempre favorecendo a vontade e os lugares mais ricos da cidade e para os lados pobres constrói o que dá.
Sem auxílio técnico, a população mais vulnerável se adapta como pode, construindo suas moradias com os recursos disponíveis. Porém, sem um planejamento adequado, essas iniciativas individuais não conseguem enfrentar desafios de grande escala.
Cabe aos governos estaduais e municipais garantir serviços básicos de saneamento, habitação digna, áreas de lazer e ruas arborizadas – elementos fundamentais para a saúde e bem-estar da população.
A falta de interesse em abordar essas questões apenas acumula problemas para as futuras administrações, tornando ainda mais difícil a vida na cidade. Morar com qualidade e dignidade é um direito universal, e cabe ao Estado fornecer assistência técnica em arquitetura e engenharia para aqueles que não têm recursos para contratá-los diretamente.
A democratização desses serviços não só beneficiaria milhares de famílias, mas também fortaleceria a sociedade como um todo e impulsionaria a economia local. É importante ressaltar que já existem algumas experiencias e até legislação que favoreça isso, como a Lei nº 11.888/2008, que garante assistência técnica gratuita para habitação de interesse social, mas é preciso o comprometimento político para sua implementação efetiva.
Investir em saneamento e habitação significaria um avanço significativo na qualidade de vida do povo carioca e da baixada. Enquanto isso não acontece, mais de 80% do povo continuará vivendo sob a sombra da incerteza durante a temporada de chuvas, temendo perder o pouco de bens que possui.
Num momento em que o Brasil sediará o G20, com o lema “Construindo um mundo justo e um planeta sustentável”, é inaceitável que a cidade anfitriã do evento ainda enfrente obstáculos relacionados à democratização dos serviços especializados de arquitetura e engenharia. É imprescindível recuperarmos os bons programas como os POUSOs e investir recursos para que a lei de Assistência Técnica se aplique nesta cidade e nas cidades da Baixada Fluminense.