Onças, tigres, leões e cervos em jaulas cercadas por tapumes, sem visão do mundo externo; remédios fora da validade dentro de um contêiner veterinário sem ventilação; além de barulho de máquinas e muita poeira. Depois de quase dois anos em obras, esta é a situação atual do zoológico do Rio, que fechou as portas ao público em 2019, prometendo intensificar a reforma que deveria estar pronta no início de 2020, mas ainda está longe de ser concluída. Em vistoria realizada na última quinta-feira, o presidente da Comissão de Saúde Animal da Câmara Municipal, vereador Dr. Marcos Paulo (PSOL), diz ter identificado problemas no manejo dos animais, que estariam vivendo, segundo ele, em condições inadequadas.
“Soubemos que a elefanta Carla morreu na semana retrasada e estamos preocupados em saber o motivo, se o ambiente de estresse, poeira e barulho pode ter influenciado”, diz o parlamentar. O biólogo Frank Alarcón, do Instituto Luisa Mell, que acompanhou a vistoria, diz não ter dúvida de que a maioria dos bichos está submetida a condições precárias.
“Há melhoras na readequação de alguns espaços, mas apenas um terço do local já foi alterado. Há animais em recintos pequenos, que aguardam solução desde 2016. Os tapumes podem ser positivos para mitigar o estresse com as obras, mas não pode ser uma situação permanente”, disse o biólogo, que defende a transferência da maior parte dos animais, especialmente dos grandes felinos. “Eles estão muito próximo dos canteiros de obras, expostos a barulhos, odores, vibração e fluxo de pessoas. Não são condições normais para animais já submetidos a uma vida de cativeiro”.
A comissão também pretende investigar casos de furtos e desaparecimentos de animais ocorridos nos últimos dois anos, quando começaram as intervenções em áreas sem público. Uma arara azul, que pode ser vendida por até R$ 60 mil no mercado clandestino, foi roubada em julho do ano passado. Desde 2016, quando foi oficializada a concessão do zoológico para o Grupo Cataratas, há registros de 18 furtos.
Em outubro daquele ano, logo após a prefeitura conceder o zoo, a Comissão de Saúde Animal entrou com um requerimento de informação para saber quantos animais o local tinha. Na época, eram 1.341. Em julho de 2019, o número caiu para 914, após 219 óbitos, 186 transferências, 18 furtos e quatro reintroduções na natureza. Hoje, o acervo do é de 820 animais.
Segundo o biólogo Frank Alarcón, faltou transparência sobre as transferências. Há dois anos, 13 animais — quatro avestruzes, três lhamas, três pavões, duas cabras e um mini boi — sumiram após terem sido levados para um criadouro comercial em Cachoeiras de Macacu. A presidente da Associação de Zoológicos e Aquários do Brasil, Claudia Igayara, afirma que a orientação é que, durante obras desse porte, os animais sejam transferidos.
“Transferências aumentam a qualidade de vida de animais. Mas, infelizmente, não há oferta suficiente de lugares para todos”, explica Claudia, que vistoriou o zoo no ano passado.
Para ela, a alta quantidade de óbitos precisa ser investigada para entender se foi anormal, ou não, já que o zoológico tinha muitos bichos idosos e doentes. Outra irregularidade atestada na vistoria da semana passada foi a presença de remédios fora da validade. O vereador conseguiu conferir 12 medicamentos, cinco deles vencidos.
O BioParque — nome do novo zoológico — afirmou que as questões levantadas pelo vereador não correspondem à realidade e que lhe enviará relatório nos próximos dias. A diretoria do espaço alegou que as obras atrasaram devido à exigência de licenças ambientais e à identificação de 30 mil peças arqueológicas ali. A previsão é que as intervenções terminem até abril. O grupo disse ainda que as obras não põem em risco os animais e foram analisadas por especialistas de Ibama, Inea, Fundação RioZoo, além da Associação de Zoológicos e Aquários do Brasil.
Sobre as transferências, o parque informou que alguns bichos foram levados para instituições habilitadas, após autorização dos órgãos responsáveis. Já as mortes, diz a instituição, tiveram laudos de necropsia encaminhados a órgãos de controle, como o Ibama. “O BioParque do Rio tem uma particularidade que é a de possuir, além de um plantel geriátrico, uma população formada em sua grande maioria por aves, que apresentam a expectativa de vida menor que outros animais”, diz trecho da nota. A morte da elefanta será analisada por uma junta médica, que emitirá um laudo em breve. O zoo estima que o animal tivesse entre 50 e 60 anos, idade avançada para a espécie.