Fruto do cotidiano indígena, artesanato se torna principal fonte de renda de diversas etnias – Povo na Rua
         

Fruto do cotidiano indígena, artesanato se torna principal fonte de renda de diversas etnias

Com a segunda maior população indígena do mundo de acordo com o IBGE, o Brasil conta hoje com aproximadamente 900 mil indígenas, mas ainda é o maior em número de etnias. São 305 povos espalhados por todas as regiões do país e falando cerca de 274 línguas. Dentre elas, algumas utilizam seus saberes e ofícios tradicionais para conquistar independência e para gerar uma renda que acaba sendo crucial para a proteção de seus territórios e para a manutenção de seus costumes. 

 

“Para muitas dessas etnias, o artesanato tradicional transmitido de geração a geração, tem sido uma ferramenta de fortalecimento das suas identidades. É por meio do fazer manual que eles têm conseguido não só manter vivas as suas tradições, mas também têm levado educação formal para as aldeias, têm tido mais acesso à saúde e também têm acessado bens e ferramentas que facilitam o dia a dia da aldeia, permitindo que eles tenham mais tempo para seus afazeres tradicionais”, revela Lucas Lassen, diretor da Paiol, marca que trabalha com produtos de cerca de 50 comunidades indígenas. 

 

Artistas e artesãos da etnia Mehinaku, que tem uma população aproximada de 300 pessoas divididas em quatro aldeias, conquistaram total autonomia graças à sua extensa produção de bancos, redes e esteiras. “Aprender a lidar com o dinheiro foi uma das formas que encontramos de manter a nossa cultura viva. Para nós, esse processo começou ainda na década de 1990, quando nossos líderes viram que havia interesse comercial nas peças que produzimos e, ao invés de só fazer trocas por outras mercadorias, passamos a vender e oferecer o nosso artesanato em lojas de grandes cidades como Brasília e São Paulo”, revela o artesão e artista Kulikyrda Mehinaku, que nos últimos anos viu uma valorização dos trabalhos feitos por sua família. 

 

Tendo os materiais naturais como os principais pilares de sua produção, algumas etnias são reconhecidas nacional e internacionalmente por conta de sua produção artística. “São panelas, redes, bancos e acessórios que continuam fazendo parte do cotidiano deles, mas que também são tidas como grandes obras de artes presentes em galerias, coleções particulares e projetos de decoração”, completa Lassen. 

 

Na semana em que se comemora o Dia Nacional dos Povos Indígenas, celebrado em 19 de abril, conheça quatro etnias brasileiras que se destacam por seu exímio trabalho na cerâmica, madeira, palha e nos acessórios. 

 

Baniwa – Cestaria

Com a fibra de arumã tingida, os Baniwa desenvolve trançados com grafismos próprios – Fotos Carol da SIlva (esq.) e Penellope Bianchi (dir.) 

Localizado no noroeste amazônico, em uma região que se estende pelas fronteiras do Brasil com a Colômbia e a Venezuela, o povo Baniwa tem a fibra de arumã – uma espécie de cana – como principal matéria-prima. No mundo das artes, eles ganham destaque pelas cestarias, que ganham trançados com grafismos que fazem referência às suas pinturas corporais utilizadas em rituais. Por conta do arumã, que é maleável, mas naturalmente mais seco que outras fibras, as peças ganham uma certa rigidez, o que garante cestos em formatos harmônicos e curvilíneos. Para comercializar seus trabalhos, eles criaram a marca Arte Baniwa, uma parceria da OIBI (Organização Indígena da Bacia do Içana), a FOIRN (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro) e o ISA (Instituto Socioambiental). 

 

Mehinaku – Bancos e Redes

O artesão Kulikyrda Mehinaku começou no artesanato ainda na adolescência – Fotos Lucas Rosin/Yankatu

Embora o Brasil tenha bancos indígenas produzidos por centenas de etnias, a produção Mehinaku está entre as mais relevantes. Localizados no Território Indígena do Xingu, no Mato Grosso, as atividades artesanais da etnia são divididas por gênero. Os homens são conhecidos pelos bancos em formatos zoomorfos, que imitam os animais da floresta. Tatus, macacos, antas, tamanduás, entre outros, ganham vida a partir de troncos de madeira. Já as mulheres, são conhecidas pelas esteiras e redes feitas com a fibra do buriti. Como toda a economia da etnia gira em torno da arte, eles têm diversificado sua produção, com acessórios e até pinturas que remetem aos grafismos da etnia. 

 

 

Waurá – Cerâmica

A partir da cerâmica, os Waurá fazem panelas e potes que fazem referência à mitologia da floresta – Fotos Mariana Chama e Paiol

Também do Xingu, os Waurá (ou Waujá) têm a produção cerâmica como uma prática milenar que considera a prática como uma metáfora da identidade Waurá, sendo uma espécie de extensão de suas identidades. Suas panelas e potes em diversos tamanhos e formatos – zoomorfos ou não – ganham pinturas gráficas e lúdicas feitas a partir de pigmentos naturais como o urucum e outras plantas. Mesmo sendo consideradas obras de arte, as peças continuam sendo utilizadas no cotidiano das aldeias. “O fogo acaba apagando as lindas pinturas, mas para ele isso não é um problema, é parte do entendimento de que tudo tem um começo, um meio e um fim. Depois, eles fazem outras que, eventualmente, ficam até mais bonitas”, afirma Lassen. 

 

 

Kayapó – Acessórios

Os Kayapós se destacam nos acessórios com miçangas, penas e outros materiais – Fotos Paiol + Penellope Bianchi

Localizados em uma região que se estende do Mato Grosso ao Pará, às margens de rios afluentes do rio Xingu, os Kayapós têm uma população de aproximadamente 12 mil pessoas, sendo uma das maiores etnias do país. Como o uso de roupas foi um costume adotado apenas recentemente, eles ficaram bastante conhecidos por suas pinturas, adornos e acessórios corporais. Essa característica lhes trouxe destaque na produção de acessórios, sobretudo com miçangas. Colares, brincos, pulseiras e outros acessórios ganham grafismos culturalmente ligados à etnia.