Depois de terem saído de casa só com a roupa do corpo, deixando para trás brinquedos e a rotina a qual estavam acostumados, crianças e adolescentes atingidos pelas chuvas no Rio Grande do Sul ainda enfrentam dificuldades. Muitas estão ainda desalojadas ou desabrigadas e, embora ainda não seja possível prever a repercussão psíquica e a possibilidade de traumas que a situação traz para os pequenos, é preciso tomar desde já alguns cuidados, defende Renata Ishida, gerente pedagógica do LIV, programa de educação socioemocional presente em mais de 600 escolas do país.
Para a especialista, é necessário, em primeiro lugar, garantir a segurança das crianças e adolescentes que estão em abrigos e assegurar que eles tenham o básico, como um ambiente livre de abusos, alimentação e acesso à água potável. Em seguida, entender o que eles precisam no momento, abrindo-se para escutá-los. As falas, sugere, devem focar sempre na possibilidade de reconstrução. Os adultos, lembra, também precisam estar bem e respeitar seus limites na hora destas conversas.
Além disso, diz Renata, é necessário estabelecer algum tipo de rotina, mesmo que seja dentro dos abrigos. “É preciso estruturar um momento para a brincadeira, outro para leitura, estabelecer um mesmo horário para dormir, trazer algo conhecido, que a criança saiba que vai acontecer igual todos os dias. Isso ajuda”, diz.
Outro cuidado, na hora de falar das perdas, é ser simples e direto. A tendência dos adultos, lembra a psicóloga, é tentar camuflar, esconder um pouco a dor, mas a realidade é que as crianças e adolescentes estão vendo a tragédia de perto, vivenciando cada problema, querendo eles ou não.
“Por isso, tem que se falar sobre o que está acontecendo, mas sem ser catastrófico. Precisamos oferecer perspectiva, mostrar os movimentos de reconstrução, os caminhos que vão ser tomados. Quando o adulto é honesto, alivia a angústia da criança, que pode estar fantasiando diversos cenários, e gera mais confiança. É claro, no entanto, que a gente precisa ajustar o nível de detalhes ao que a criança consegue absorver no momento”, recomenda.
A psicóloga também defende que se envolva as crianças e adolescentes na busca de soluções para os momentos atípicos pelos quais estão passando. Convocar os pequenos para planejar algumas estratégias pode mostrar a eles que são capazes de fazer algo naquela situação.
Renata lembra ainda que é natural que as crianças, diante da tragédia, mudem o comportamento usual. “Mostrar sofrimento e tristeza é uma demonstração de que estão atentas ao mundo. Se continuassem brincando como antes, fazendo o que sempre fizeram, seria um sinal de que estão anestesiadas. E sentir é importante. O adoecimento acontece quando se cristaliza num ponto e não se sai mais dele. Estar triste com uma perda e ficar sem comer uns dias é natural, ficar mais de um mês sem se levantar da cama, não”.
A curto prazo, crianças e adolescentes que foram vítimas da tragédia podem apresentar ansiedade, fobias e terror na hora de ouvir a chuva. Por isso, diz Renata, é imprescindível que haja uma rede de apoio para as vítimas, que seja constante. “Ninguém vai deixar de ficar ansioso por uma fala de um psicólogo. Vai ser preciso envolver famílias, escolas, educadores, uma rede com quem as crianças tenham vínculos, para ajudar. E é preciso lembrar que não é possível especular se a saúde mental de todos será afetada. Cada um vai reagir de um jeito. Pode ser que alguns fiquem bem, outros adoeçam mesmo sem ter passado tão perto da catástrofe”, finaliza.