Diana Pires
O Escritório do Crime — quadrilha de pistoleiros responsável por dezenas de homicídios no Rio nos últimos quinze anos — tinha um plano para matar o bicheiro Fernando Iggnácio, assassinado nesta terça-feira no Recreio, Zona Oeste do Rio. Os matadores de aluguel queriam até alugar um apartamento no prédio onde Iggnácio morava para preparar uma tocaia.
Depoimentos colhidos pela Polícia Civil apontam que, no segundo semestre de 2017, a quadrilha de pistoleiros foi contratada pelo também contraventor Rogério Andrade para matar Iggnácio. Os dois travam uma guerra de mais de 20 anos pelo espólio criminoso do contraventor Castor de Andrade, tio de Rogério e sogro de Fernando.
De acordo com um relatório do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio, no dia 5 de outubro de 2017, Leandro Gouveia da Silva, o Tonhão, um dos integrantes da quadrilha, procurou num buscador a expressão “aluguel+de+apartamento+praia+guinle”, uma referência ao nome do condomínio onde morava o contraventor, em São Conrado, Zona Sul do Rio.
Os promotores também descobriram que os membros do grupo queriam comprar uma metralhadora ponto 50, uma das armas com maior poder de destruição que existem, para executar Iggnácio. A arma foi pesquisada na internet por Leonardo Gouvêa da Silva, o Mad, irmão de Tonhão e chefe do grupo, em abril de 2018. Outro integrante do grupo que fez buscas pelo armamento, de maio a agosto de 2018, foi o ex-PM João Luiz da Silva, o Gago, que está foragido até hoje.
Depoimentos que fazem parte da investigação apontam que o Escritório do Crime foi contratado no final de 2017 para matar Iggnácio e seus seguranças. Na ocasião, Rogério teria ficado furioso com uma “ordem de Ferando Iggnácio para mandar quebrar máquinas caça níqueis na comunidade Vila Vintém, as quais seriam pertencentes ao contraventor Rogério Andrade”. A partir de janeiro de 2018, Iggnácio passou a ser monitorado pelos matadores.
Tonhão, Mad e Gago foram denunciados à Justiça após o final das investigações. Os dois primeiros foram presos em junho. Gago segue foragido até hoje. Após a contratação do Escritório do Crime por Andrade, dois integrantes da equipe de seguranças de Fernando Iggnácio foram assassinados a tiros. O primeiro crime teve como vítima o sargento reformado Anderson Cláudio da Silva, o Andinho, morto em abril de 2018, no Recreio. Já em junho passado, foi a vez do ex-PM Jorge Crispim Silva dos Santos, braço-direito de Iggnácio, ser executado após ter a casa invadida. A polícia investiga se os três homicídios estão relacionados.
O MP já concluiu que Andinho foi assassinado pelo Escritório do Crime. Três meses antes de ser morto, o sargento foi alvo de um atentado, em Bangu, na Zona Oeste. A polícia concluiu que integrantes do Escritório do Crime estavam no local do ataque pela localização de seus celulares. Andinho conseguiu fugir sem ser ferido.
No entanto, seus passos continuaram sendo monitorados. O sargento foi atacado a tiros novamente em abril, após sair de uma reunião de trabalho e entrar em sua BMW, no Recreio. O crime tem a assinatura do Escritório do Crime: a munição usada foi a mesma usada pelo grupo para assassinar o empresário Marcelo Diotti, em março de 2018 — integrantes do grupo já respondem por esse último crime.
Já o ex-PM Jorge Crispim Silva dos Santos, principal segurança e braço direito de Iggnácio, foi morto em junho deste ano, em sua casa, em Campo Grande. Homens armados invadiram local, mataram o ex-PM, que administrava os negócios do chefe, e fugiram sem levar nada.
Antes de ser morto, Iggnácio estava sendo seguido. Em janeiro de 2018, integrantes do Escritório do Crime participaram de um ataque a tiros à antiga Fortaleza de Castor de Andrade, em Bangu, uma mansão que funcionava como escritório do contraventor. Houve tiroteio, mas ninguém foi morto. O MP suspeita que Iggnácio estivesse no local, e atiradores estavam fazendo uma campana para matá-lo.
Fundadores estão mortos
Os três fundadores do Escritório do Crime já estão mortos. Todos foram assassinados a tiros num intervalo de pouco mais de três anos em situações distintas. O ex-capitão da PM Adriano da Nóbrega foi baleado numa ação do Bope da Bahia, em fevereiro deste ano. O ex-tenente João André Martins — com Adriano quem se formou no curso de Operações Especiais da PM — foi executado perto da casa onde morava, na Ilha do Governador, em 2016.
Já o também ex-PM Antônio Eugênio Freitas, o Batoré, foi morto em junho de 2019 numa operação da PM na Ilha do Governador. Paralelamente à atividade de matador de aluguel, Batoré virou homem de confiança do traficante Fernando Gomes de Freiras, o Fernandinho Guarabu.
Mad, que era considerado o herdeiro do grupo, foi preso em junho passado. No entanto, ainda há integrantes foragidos, como os ex-PMs Anderson de Souza Oliveira, o Mugão, e João Luiz da Silva, o Gago. Milicianos que, segundo o MP, se associaram ao grupo também estão fora das grades, como Leonardo Luccas Pereira, o Leléo, e Edmílson Gomes Menezes, o Macaquinho.