Transitando entre a comédia, o lirismo e o drama, o texto inédito, assinado por Pedro Brício, narra a história de uma consagrada atriz de teatro, Alma Duran, vivida por Maria Padilha, que vai morar com sua filha, a médica Isadora (Olivia Torres), e seu genro Otto, um delegado de polícia (Erom Cordeiro), em um condomínio em Botafogo, no Rio de Janeiro. Desempregada há três anos, ela começa a dar aulas de teatro para a estudante Lalá (Iohanna Carvalho), enquanto sonha em montar “O Jardim das Cerejeiras”, texto do russo Anton Tchekhov. Ao enfrentar dificuldades para realizar o espetáculo, ela conhece um homem no playground do prédio, que afirma ser o próprio Tchekhov (Leonardo Medeiros), e que passa a ajudá-la.
A DRAMATURGIAOs limites entre realidade e ficção, comédia e drama, passado e presente, Brasil e Rússia, vão se misturando, numa trama que discute – com bastante humor – a intolerância no mundo contemporâneo. Embora o espetáculo evoque o autor russo, o texto não é inspirado nele, conta Pedro Brício. “O tom tchekhoviano está na dualidade de emoções, nas tensões sociais, na aridez da violência, na intolerância. Por outro lado, há o afeto, a beleza, situações patéticas, risadas. É uma mistura de sentimentos, é sobre rir das nossas dores”.
Por mais que a Alma Duran esteja passando por uma situação difícil, lidando com o fracasso, com a falta de dinheiro, não perde a capacidade de sonhar, de inventar um futuro. Ela planta cerejeiras em um jardim abandonado do condomínio, em pleno Rio de Janeiro. São esses elementos que trazem para perto do público o que, aparentemente, estaria distante no tempo e no espaço, como a obra de um autor russo que viveu entre o século XIX e o XX.
Georgette Fadel, que dirige “Um Jardim para Tchekhov”, conta que “o autor é geralmente lido do ponto de vista psicológico, das relações sociais, mas ele tem uma vertente de humor muito importante, a qual a equipe escolheu ressaltar. ‘O Jardim das Cerejeiras’, por exemplo, é uma comédia, mas ficou conhecida na montagem do diretor russo Constantin Stanislavski, que insistiu em encená-la como um drama, o que conferiu a ela essa pecha”.
VIDA EM MOVIMENTO“Um Jardim para Tchekhov”, conta a diretora, também chama atenção para a impermanência da vida. “O transitório está presente em diversas camadas do espetáculo, desde o texto à cenografia – com vários elementos que mudam de lugar nas cenas, que balançam. Temos bonecos ‘João Bobo’ representando personagens. O vento é um integrante da peça. O tempo todo está ventando, o que traz uma sensação de movimento, mostra que estamos vivos”.
Como uma crônica cotidiana, a peça tem muito do “mundo real”, transitando entre a tensão e o riso, trazendo questões sociais, raciais, violência, meio ambiente. “Vivemos, junto com os personagens, seus momentos de desprazer, de alegrias. Embarcamos em suas fantasias e também em seus medos. Mas a leveza de sonhar se sobrepõe, a peça é sobre essa liberdade de sonhar. Não no sentido ingênuo, e sim no sentido de não levar tudo tão a sério. Há uma vibração positiva, um sopro de vida”.ENCONTRO COM TCHEKHOVPartiu da atriz Maria Padilha a ideia de fazer uma montagem envolvendo Anton Tchekhov. Seu primeiro trabalho com o autor russo foi em 1999, na peça “As Três Irmãs”, dirigida por Enrique Diaz. “Me apaixonei por sua obra, pelo ser humano que ele foi. Desde então sonhava em montar uma peça dele, mas é algo grandioso, com muitos personagens e ficaria inviável financeiramente. Convidei, então, o Pedro Brício, com quem havia trabalhado no monólogo ‘Diários do Abismo’, que fez uma brilhante adaptação das obras da escritora mineira Maura Lopes Cançado. Como grande dramaturgo que é, ele criou a história original que se transformou na peça ‘Um Jardim para Tchekhov’”.“A Alma Duran é um verdadeiro presente”, a atriz sublinha. “Ela traz um sopro de vida, um sopro de arte. Chega para mudar as relações, tanto na sua família, como para a estudante de teatro Lala, que recebe aulas particulares da atriz. Alma simboliza a própria arte e o teatro como um lugar de respiro, de ar. Ela está entre o lírico e o humor, o drama e a comédia – algo que me dá muito prazer em representar como atriz”, revela Padilha.DIVAS BRASILEIRASMaria Padilha conta que Alma Duran tem bastante de Tchekhov, “aquela coisa febril, de estar vivendo uma fantasia e, de repente, cair na realidade”. E, para além da inspiração no autor russo, as chamadas divas do teatro brasileiro têm um papel importante na construção da personagem. “Ela tem muito de Marília Pêra, que foi minha primeira diretora, da Fernanda Montenegro, da Nathália Timberg, da Renata Sorrah, por quem sou apaixonada, da Marieta Severo, da Camila Amado. Admiro todas que vieram antes de mim, que construíram a história do teatro, como Cleyde Yáconis, Cacilda Becker, Dercy Gonçalves, Tônia Carreiro, Myriam Muniz. Quando falamos em artes cênicas no Brasil não tem como não lembrar da importância dessas divas que pavimentaram a estrada para nós estarmos aqui”, ressalta Padilha.
18/09/2024