O encanto com a literatura de Conceição Evaristo tem levado a consagrada escritora mineira a merecidos espaços de reconhecimento. Muito antes disso, em 2006, numa sala de aula de um curso de pós-graduação, estava o atento Renato Farias como seu aluno. Ao se deparar com a escrita de Conceição – que, à época, ainda não havia recebido o reconhecimento devido – teve o ímpeto de adaptar o livro “Ponciá Vicêncio” para o teatro, pedindo licença diretamente à sua autora que, de pronto, lhe concedeu a bênção. Somente 18 anos depois o projeto conseguiu sair do papel, e Renato convidou Tatiana Tiburcio para dirigir a montagem a seu lado, fazendo a peça inédita chegar ao palco do Teatro Arena do Sesc Copacabana nesta quinta-feira (25/07), às 20h. Para dar sentido à peculiar “escrevivência” de Conceição Evaristo entram em cena, ao lado de Tati, as atrizes Damiana Inês e Luciana Lopes.
Inspirado e construído a partir das palavras da prestigiada autora, o espetáculo traz para a cena o conceito de “escrevivência” criado por Conceição e apresenta um diálogo de sua escrita com as suas próprias recordações. Como elementos de costura, os seus poemas. As três atrizes em cena reverberam a trajetória de Ponciá Vicêncio a partir de suas vivências, vozes e corpos, pois, em um território como o Rio de Janeiro, a referência negra feminina se faz profundamente cotidiana na construção da identidade cultural.
No pensamento, nos ensinamentos, no afeto, no cuidado, na comida, na roupa, no ritmo, na cantiga, no matriarcado das comunidades, elas são eco de uma ancestralidade que insiste em ser e estar presente numa espiral que é tanto do tempo, quanto de resistência, força, fé e ressignificação. “Acho que nosso maior desafio é justamente traduzir cenicamente o conceito de “escrevivência”. No entanto, como mulher negra, é um conceito que eu compreendo em um sentido muito profundo e identitário. Então bastou colocar essa escuta sensível em prática e o diálogo se estabeleceu de forma orgânica”, pondera Tatiana Tiburcio.
“Uma adaptação literária para o teatro deve ser um equilíbrio entre o respeito e o desrespeito pela obra original. Respeito no que toca aos conceitos da escrita e ao universo da escritora, sobretudo em termos éticos e políticos. Desrespeito para transportar de uma linguagem para outra o recorte desejado da história, ainda que isso signifique subverter tempos e priorizar trechos. O maior desafio nesse caso foi manter a alta voltagem poética da escrita de Conceição sem perder a oralidade que está na base da sua gramática do cotidiano”, complementa Renato Farias.
Além de trechos de “Ponciá Vicêncio”, a adaptação traz alguns poemas que serão ditos em off por atrizes convidadas, lado a lado com recortes de entrevistas da própria Conceição, propondo na cena um diálogo entre ficção e realidade já proposto pela escritora em sua obra literária. Dentre as convidadas estão a própria Conceição Evaristo, Dja Marthins, Leda Maria Martins, Letícia Soares, Olívia Araújo e Vilma Melo. “Através de pontos de intercessão entre Conceição e Ponciá, buscamos achar a convergência com nossa existência de mulher negra para compreender esse ponto de forma ampla, coletiva. Posso adiantar que os elementos da natureza, cantigas e movimentos buscam cumprir essa função. Mas não só. Todas somos uma a partir de Conceição e sua criação”, reitera Tatiana.
Sendo a ancestralidade das pessoas negras algo vivido no cotidiano, a abordagem da ancestralidade da mulher negra presente na obra de Conceição foi levada para este trabalho a partir da diretora Tatiana Tiburcio, em diálogo com as outras duas atrizes. “Acredito que precisamos ser espelhos de nós para que nunca se tenha dúvida de onde viemos, onde estamos e para onde desejamos ir. Temos história que se reflete no nosso presente para construirmos o futuro que queremos e merecemos”, reforça Tiburcio.
Se por um lado quem conhece o livro pode querer conferir sua ‘versão cênica’, Renato acredita que levar a obra de Conceição Evaristo aos palcos também pode tornar a obra e a autora ainda mais populares, ou mesmo estimular novos leitores. “Ainda há muita gente que desconhece Ponciá. Assim como há muita gente que conhece Conceição sem ter lido nada seu. Acredito que a potência do teatro atinge o espectador por canais diferentes da literatura e que podem ser bastante sedutores para criar desejos de leitura. O diálogo entre as linguagens aproxima os espectadores de teatro da leitura, assim como os leitores da experiência teatral”, encerra Renato.
SERVIÇO
Espetáculo “Ponciá – Conceição Evaristo”
Temporada: 25 de julho a 18 de agosto de 2024
Horário: 5ª feira a domingo, às 20h
Ingressos: R$ 7,50 (associado do Sesc), R$ 15 (meia-entrada), R$ 30 (inteira)
Sesc Copacabana
Endereço: Rua Domingos Ferreira, 160 – Copacabana – RJ